Por Ana Elvira B. F. Lopes Bouéres¹

Perceber que a cultura é essencial ao ser humano, hoje e sempre, às vezes não é tarefa fácil, mesmo porque ela desempenha diferentes papéis na sociedade. A cultura pode ser vista sob diferentes ângulos, perspectivas e considerada em diversas dimensões.
Por muitas décadas quando falávamos o termo ‘cultura’, o relacionávamos diretamente às artes ou patrimônio. Ocorre que, com o aumento dos estudos sobre o tema percebeu-se que o conceito de cultura foi sendo ampliado, tornando-se mais rico e complexo de modo a incorporar outros segmentos, além dos tradicionais.
Dentro deste olhar amplo e includente, as atuais políticas culturais internacionais buscam tomar a cultura humana como […] o complexo integral de distintos traços espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam uma sociedade ou grupo social. Ela inclui não apenas as artes e as letras, mas também modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, sistemas de valores, tradições e crenças. (UNESCO, 1982).
Destaca-se que, da análise dos textos legais sobre o assunto, percebeu-se que a cultura pode ser vista- principalmente- sob as dimensões simbólica, política e econômica. Para além das dezenas de pontos de vistas possíveis, as políticas culturais nacionais tomam essas três dimensões como prioritárias, ou seja, principais.
A dimensão simbólica tem como fundamento a ideia de que é inerente ao ser humano a capacidade de simbolizar, que por sua vez se expressa por meio das diversas línguas, valores, crenças e práticas.
Contextualiza o Plano Nacional de Cultura:
"Na consolidação das políticas culturais relacionadas à dimensão simbólica, será mantido um olhar atento às linguagens artísticas (música, literatura, dança, artes plásticas etc.), mas serão igualmente reconhecidas e valorizadas muitas outras possibilidades de criação simbólica expressas em novas práticas e em modos de vida, saberes e fazeres, valores e identidades."
Em outras palavras, podemos afirmar que adotar a dimensão simbólica da cultura possibilita instituir políticas que enfatizam, para além das artes consagradas, toda gama de expressões envolvidas na diversidade cultural brasileira.
A dimensão política da cultura, por outro lado, tem como fundamento a ideia de que os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, ou seja, a cultura é tida como um direito básico do cidadão.
Analisar a dimensão política da cultura implica considerar o art. 215 da Constituição Federal de 1988, o qual afirma que ‘o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais”. A partir dessa afirmação a Constituição Federal faz duas afirmações: a um, que a cultura é um direito, a dois, que são legítimas as intervenções do Estado no campo cultural.
Por fim, a dimensão econômica compreende que a cultura vem, paulatinamente, se transformando num dos segmentos mais dinâmicos das economias de todos os países, gerando riqueza e trabalho. Hoje chega-se a falar que a cultura é elemento estratégico da chamada nova economia, a qual se baseia na informação, criatividade e no conhecimento, neste sentido (TAPPSCOTT, 1997):
A nova economia é uma economia do conhecimento, baseada na aplicação do know-how humano a tudo o que se produz e como se produz. Mais valor agregado será criado pelo cérebro e não pela força. Ela é também uma era de interligação em rede, não apenas da tecnologia, mas também de seres humanos, organizações e sociedade. [...]
Os ativos mais importantes da organização são os ativos intelectuais, detidos e gerados pelo trabalhador do conhecimento. O que conta é a capacidade de uma empresa de atrair, manter e continuamente aumentar os recursos dos trabalhadores do conhecimento e oferecer um ambiente propício à inovação e criatividade.
Inicialmente podemos dizer que o papel econômico da cultura é estratégico, o que fica claro quando pensamos nos grandes lucros obtidos com a comercialização de bens simbólicos produzidos pelas indústrias culturais como filmes, músicas, vídeos, livros, incluindo até aqueles que resultam das recentes tecnologias digitais, como aplicativos para celulares.
Para se ter uma ideia, para o relatório Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, publicado pela FIRJAN, a área gerou riqueza equivalente a R$ 155,6 bilhões em 2015. Por essa estimativa, o setor criativo foi responsável por 2,64% do PIB nacional no mesmo ano e empregou formalmente 851,2 mil pessoas. Para efeito de comparação, no mesmo ano, a indústria automobilística foi responsável por 4,1% do PIB. Em 2017, as montadoras empregavam 126,3 mil trabalhadores.
Em termos de consumo, um levantamento de 2017 da Fecomércio-RJ (Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro) revelou que os brasileiros têm se engajado mais com cultura hoje do que no passado. Segundo a pesquisa, 56% dos entrevistados haviam frequentado pelo menos uma atividade cultural, um aumento de 3% em relação à pesquisa anterior. Em relação a 2008, o crescimento foi de 13%.
Apesar deste crescimento nacional, ainda se vê grande disparidade regional de investimento em cultura no Brasil, para se ter uma ideia de um total de 2,5 mil projetos aprovados em 2018 através do modelo de mecenato via Lei Rouanet, 1,6 mil (62,51%) vieram dos Estados da região Sudeste. Em seguida, aparece a região Sul com 602 projetos (23,18%), Nordeste com 168 (6.47%), Centro-Oeste com 131 (5,04%), e Norte com apenas 72 (2,77%).

Para além do fator econômico, a cultura é um aspecto central da identidade nacional, sendo igualmente importante para o que hoje se chama ‘soft power’ que corresponde, em nível internacional, a capacidade de persuadir e influenciar por meio de valores, ideias e cultura.
O que se vê, portanto, e infelizmente é que o Brasil ainda padece de um grande desinteresse por trazer a cultura ao centro das atenções nacionais.
Nas últimas décadas há uma constante instabilidade na área de gestão em políticas culturais. Para se ter uma ideia do cenário, em 2017, o governo federal cortou o orçamento do Minc em 43%, de 721 milhões passamos para 412 milhões investidos no setor.
Além da evidente redução orçamentária nacional, a instabilidade do setor fica clara nas articuladas tentativas de extinção do Ministério da Cultura, a fim de que a pasta fosse fundida ao Ministério da Educação, onde seria abrigada com o status de Secretaria. Tal aglutinação do Ministério da Cultura com outros ministérios tem um papel simbólico negativo, afetando conquistas na área e a consolidação de uma agenda pública autônoma.
Em nível regional as notícias não são melhores, no Maranhão a Secretaria de Estado da Cultura foi aglutinada à pasta de turismo, tendo o setor cultural perdido em visibilidade e lugar de fala.
Como se vê, se o país quer ser influente em nível internacional tem que se preocupar com sua política cultural, deixando de entendê-la como ‘artigo de perfumaria’ para trazê-la para o centro das questões nacionais e regionais. Sem esse posicionamento não é possível pensar em um projeto sólido de desenvolvimento para o país.
¹ Advogada, Consultora Legislativa de Cultura da Assembleia Legislativa do Maranhão, MSc em Políticas Públicas.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Plano Nacional de Cultura – Lei n. 12.343, de 2 de dezembro de 2010. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2011/05/Lei12.343-PNC-Publica1.pdf.
Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro Sistema (FIRJAN), dez/2016.
TAPSCOTT, O. Economia digital: promessa e perigo na era da inteligência em rede. São Paulo: Makron Books, 1997.368 p.
UNESCO: World conference on cultural policies ,1982.